Artigo
Business Transformation Culture and Leadership
Isomorfismo, mudar para ficar igual

Isomorfismo, mudar para ficar igual

Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner

Como se explica que, ao quererem mudar, as organizações se tornem cada vez mais semelhantes entre si e, sem o quererem, burocráticas?

Na sequência do artigo “Como a burocracia está a travar a agilidade nas organizações”, e na tentativa de aprofundar a reflexão em torno das razões por detrás da permanência da burocracia nas organizações, até aos dias de hoje, trago mais uma lente da Sociologia das Organizações – a do Isomorfismo Organizacional de DiMaggio e Powell (1983) e a da Institucionalização das Organizações com Mitos e Cerimónias de Meyer e Rowan (1977). Ambas as teorias ajudam a compreender porque é que em processos de mudança e de inovação, as organizações, se tornem cada vez mais homogéneas entre si, mas não necessariamente mais eficientes!

Apesar de no início da sua formação e desenvolvimento as organizações poderem assumir formas diversas e variarem quanto aos seus modelos de trabalho e estruturas organizacionais, com o tempo, assiste-se a um fenómeno de mimetismo dentro do sector em que estão inseridas, ao terem de lidar com os desafios do seu meio ambiente e na procura de estabilidade, de institucionalização e de sucesso. Este fenómeno leva a que as inovações que vão sendo inicialmente adotadas com o objetivo de melhorar o desempenho organizacional, com o passar do tempo, comecem a ser disseminadas, mais por questões de legitimação e de institucionalização dentro do próprio sector, do que na realidade por questões de desempenho. A homogeneidade organizacional acaba por ser um produto de várias pressões que impelem as organizações a um ajustamento às exigências sociais, culturais, legais e políticas do seu tempo e ambiente.

As organizações e os processos de mudança e a inovação não resultam apenas, e assim, da aplicação de princípios de racionalidade técnica e de eficiência organizacional; a sua sobrevivência depende, muitas vezes, da necessidade de legitimação no campo organizacional ou sector em que atuam. Os autores designam este fenómeno de Isomorfismo, mostrando como a forma como os processos de mudança organizacional são conduzidos torna as organizações cada vez mais iguais, quer nas suas estruturas e processos, quer até na forma de pensar e de comportar.

“A homogeneidade organizacional acaba por ser um produto de várias pressões que impelem as organizações a um ajustamento às exigências sociais (…)”
O que podemos aprender com os processos de mudança isomórficos

O isomorfismo constitui uma forma inteligente e racional de aprender e de obter ganhos de eficiência. Na realidade pode aumentar a probabilidade de sucesso em processos de mudança, uma vez que reduz o risco de falhas e erros, e permite ganhar escala e estender a mudança, e elevar a qualidade. Tem por isso inúmeras vantagens, como se pode ver nestes exemplos:

  • O isomorfismo coercivo, quando aplicado pelos estados ou entidades reguladoras para promover a transparência, inibir ou reduzir a corrupção ou promover medidas de sustentabilidade humana ou ambiental;
  • O isomorfismo organizacional quando bem feito e que possibilita maior rapidez de aprendizagem e na disseminação da inovação, ganhos de eficiência e a promoção de processos colaborativos entre empresas;
  • O isomorfismo normativo, que decorre dos processos de profissionalização, de credencialização e regulação de profissões ou atividades, garantindo assim requisitos e níveis de exigência que promovem a qualidade e a excelência.

Qual é então o risco? Na tentativa de coordenar e controlar as complexas relações e redes de trabalho nas organizações, vão sendo incorporadas novas práticas, procedimentos, regras, estruturas, modelos, que vão ganhando legitimidade. Estas regras institucionais podem ir desde inovações, coisas que são dadas como adquiridas, até obrigações legais e que podem resultar da pressão da opinião pública, conceções de especialistas, modas, novidades e tendências, procura de prestígio social, legitimação do sistema educacional, entre outras, e que vão sendo consideradas legítimas apesar de os seus efeitos nos resultados e eficiência poderem, em alguns casos, ser limitados ou até negativos. Por serem consideradas legítimas, não requerem ou nem sempre estão sujeitas à avaliação do seu impacto ou a qualquer escrutínio quanto à sua eficiência. O seu impacto nas organizações é, contudo, enorme e espalha-se rapidamente. Os fenómenos de institucionalização conduzem à burocratização das organizações criando pressupostos de que as novas regras institucionais são racionais e eficazes, quando por vezes não passam de convenções ou mitos. Durante anos, por exemplo, e até hoje, convencionou-se que os sistemas de avaliação de desempenho eram necessários, sendo que são poucas as empresas que os utilizam efetivamente para gerarem melhores níveis de desempenho. Só muito recentemente se começou a questionar a sua eficácia e os seus custos organizacionais. Processos de qualidade são outro exemplo, e existem muitos mais. As organizações estão repletas de sistemas e processos que além de não produzirem os resultados para que foram criados, entorpecem as pessoas com carga de trabalho burocrática, consumindo tempo produtivo e energia ao sistema humano.

Por isso, compreender o fenómeno do isomorfismo é importante por três ordens de razões:

1 .  Mostra que o motor da mudança nem sempre é o da eficiência, cálculos racionais ou inovação, mas sim o resultado de convenções e até de mitos que se vão formando e que não são questionados, numa tentativa de encontrar respostas para alguns dos desafios do ambiente e contexto.

2 . Mostra ainda que ao mudar-se, nem sempre há, necessariamente, lugar à aprendizagem, inovação ou melhorias de eficiência. Numa tentativa de inovar, pode reforçar-se a burocracia.

3 . Quanto maior a incerteza, maior é a probabilidade das empresas copiarem estruturas e práticas de outras organizações percebidas como bem-sucedidas, por se convencionar que esta é a forma legítima de atuar e a que maior probabilidade oferece de sucesso; uma vez que todos fazem. Institucionalizam-se novas e modernas formas de atuar, quando na realidade se está a promover mais conformidade e mais burocracia.

Serve ainda para explicar uma série de fenómenos que lesam a meritocracia e o desenvolvimento organizacional, como por exemplo porque é que sendo ineficientes, algumas organizações sobrevivem desde que lhes seja reconhecida legitimidade ou se tenha convencionado, sem questionar, a sua perpetuação; serve para explicar porque é que algumas empresas são contratadas, porque consideradas mais legítimas no campo em que atuam, em detrimento de outras mais competentes; ou porque ao longo dos anos se investiu tanto dinheiro em mudanças que não produziram os resultados esperados. Explica porque nem sempre sucesso económico é sinónimo de sobrevivência.

“As organizações estão repletas de sistemas e processos que além de não produzirem os resultados para que foram criados, entorpecem as pessoas com carga de trabalho burocrática, consumindo tempo produtivo e energia ao sistema humano.”
Design Sem Nome (9)
Isomorfismo sim, mas desenvolvendo culturas que aprendem

Então a questão não é, naturalmente, a de que se deve inovar ou mimetizar as inovações de outros, porque isso é uma questão de sobrevivência, de inteligência, de adaptação à mudança e, se tudo correr bem, de prosperidade e desenvolvimento económico. O que está em causa é como inovar, produzindo os resultados desejados, por um lado, e, em simultâneo, utilizar esses processos para criar culturas que aprendem, no sentido que lhe foi dado por Peter Senge no The Fifth Discipline, em 1990. Uma organização que aprende, é uma organização que desenvolve a sua capacidade para se adaptar a ambientes em mudança, promovendo a aprendizagem individual e coletiva, por via da introdução de práticas de trabalho que promovem a partilha de conhecimento, a capacidade para refletir em processos coletivos de discussão e diálogo.

Isto faz-se desenvolvendo culturas de liderança que utilizam a divergência de opinião para gerar múltiplas interpretações e perspetivas, em processos complexos de mudança para decidir e agir de forma mais informada; culturas que desenvolvem progressivamente a capacidade dos seus líderes e equipas para refletir e examinar criticamente os seus processos de pensamento e padrões de comportamento, aumentando a capacidade para lidar com a mudança e liderar processos de mudança de forma mais eficaz. Como tantas e demasiadas vezes pude observar, ao longo dos anos, as organizações são espaços de diálogo ainda muito polarizados, pouco profundos, e onde os vários intervenientes se escutam muito pouco.

A aprendizagem e o desenvolvimento organizacional só ocorre quando a organização aprende com os resultados e as consequências das suas ações e com a forma como resolve e ultrapassa problemas; quando na cultura é efetivamente permitido questionar o status quo, e os processos, sistemas e práticas vigentes e que não geram valor e sobrecarregam o sistema, impedindo-o de mudar e às pessoas de criar. Para que mais aprendizagem tenha lugar no espaço organizacional é necessário introduzir maiores níveis de reflexão individual e coletiva e é necessário transformar a forma como as pessoas dialogam nas equipas, entre equipas e com a liderança. A aprendizagem organizacional está correlacionada com a aprendizagem individual e sobretudo, com a aprendizagem nas equipas. A aprendizagem e o desenvolvimento organizacional ocorre quando as pessoas detetam e corrigem os “gaps” entre as intenções e os resultados efetivos; quando o sistema consegue ver-se a si próprio e refletir sobre as suas práticas. É aquilo que Argyris (1987) designa de aprender a aprender e de implementar processos que promovem a reflexão permanente. Desenvolvimento organizacional e inovação continuada pressupõem sempre aprendizagem organizacional!

“A aprendizagem e o desenvolvimento organizacional só ocorre quando a organização aprende com os resultados e as consequências das suas ações e com a forma como resolve e ultrapassa problemas. (…)”