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Business Transformation Culture and Leadership
4 lições de liderança

4 lições de liderança

Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner

A liderança traz poder e o poder deve ser exercido. É nesse exercício que o carácter de homens e mulheres é posto à prova. O poder não deve ser um fim em si mesmo, sob pena de estarmos perante um problema de narcisismo. O poder deve ser exercido, e bem, em consciência e com perspetiva; para concretizar uma visão de futuro e contribuir para a democracia e não para preservar posições, à custa da performance dos partidos e no limite, da sua sobrevivência.

O poder de um líder e de uma equipa de liderança é-lhes conferido pela autoridade resultante de uma eleição, mas também como resultado da competência, visão de futuro, e pela capacidade para construir infraestrutura e sistemas e deixar um legado às futuras gerações. Apesar de o campo político ser um campo em mudança como resultado de vários fatores e tendências, designadamente o perigoso aumento do populismo, é da responsabilidade dos partidos e dos seus líderes compreender que as decisões que tomam no curto prazo podem ter consequências irreversíveis no longo prazo. Estas são, a meu ver, 4 lições de liderança que poderão trazer benefícios aos partidos e às suas lideranças:

Clareza de valores e princípios

Uma sociedade, instituição, organização, família ou ser humano rege-se por um conjunto de princípios e valores que definem a sua identidade e constituem os fundamentos da sua cultura. A cultura é agregadora e unificadora, e posições dúbias à volta desses princípios e valores quase sempre conduzem à desagregação e à desvinculação emocional, afetiva e ideológica por parte das pessoas. É nas ações que vemos os princípios em ação. Aproximações a partidos ou pessoas com visões ou ideologias de extrema-esquerda ou estrema direita poderão dar votos, mas também poderão levar a consequências completamente imprevisíveis e indesejadas. O relativismo cultural paga-se caro. Sempre.

“A cultura é agregadora e unificadora, e posições dúbias à volta desses princípios e valores quase sempre conduzem à desagregação e à desvinculação emocional, afetiva e ideológica por parte das pessoas.”
Talento atrai talento

As organizações precisam de talento para prosperar, e o talento precisa de ver talento à sua volta e precisa de se ligar a um propósito ou, no mínimo a um projeto. Os partidos, lutam por atrair talento. É verdade, que a angariação de talento, é difícil, porque não existem bases de recrutamento (e este é um problema complexo e sistémico), mas também é difícil porque falta uma visão unificadora por um lado, e clareza nos partidos em torno dos perfis dos políticos, por outro. Candidaturas como a de Susana Garcia à Câmara da Amadora, a nomeação de alguns ministros do atual governo, ou as pessoas que compõem hoje o atual CDS, incluindo a liderança, podem ter por detrás um fim político particular, mas de um ponto de vista de meritocracia política, poderá vir a deitar por terra qualquer estratégia de atração de talento político no futuro. As pessoas têm impacto nas culturas.

A liderança precisa de ser distribuída e a visão co-construída

Também no campo político, os problemas tornaram-se demasiado complexos. Requerem pensamento sistémico e divergência de perspetivas. Os partidos estão ainda pouco abertos à divergência de pensamento e pontos de vista, a envelhecer e agarrados ao poder. Os riscos de cristalização são evidentes. Questões como a desagregação dos partidos, o crescimento do populismo, a falta de notoriedade do setor político e de reconhecimento do serviço público que é prestado à sociedade, a necessidade de repensar os partidos e a sua cultura política, como lidar com o absentismo e atrair novas gerações, só podem ser respondidas através de diálogos colaborativos dentro dos partidos entre fações distintas. Cada vez mais, as visões e a estratégia são co-construídas. A cultura nos partidos políticos precisa também ela de mudar e tornar-se mais colaborativa, acompanhando a tendência no mundo das organizações. Trata-se de abanar uma crença muito profunda em que assenta todo o jogo político. Se tal não acontecer, podemos até continuar a ter partidos por muitos mais anos, mas seremos governados por quem nunca escolheríamos. Esse é o absurdo e a tragédia da democracia dos dias de hoje.

A cultura nos partidos políticos precisa também ela de mudar e tornar-se mais colaborativa, acompanhando a tendência no mundo das organizações.
Jogar para ganhar

Apesar do elevado absentismo e desinteresse generalizado, os partidos ainda não assumiram que cada vez menos pessoas se reveem no que estes se tornaram; há como que uma falta de tomada de consciência coletiva. E apesar do medo real do seu desaparecimento, perpetua-se o status quo, com a convicção de que o próprio sistema irá garantir a sobrevivência dos partidos. Só que agir a partir do medo produz habitualmente resultados opostos aos desejados. Existe uma diferença entre jogar para não perder – em que tudo é feito para preservar ou para não perder o que se tem e assim garantir a sobrevivência –, ou jogar para ganhar (https://business-setting.com/publications/2021/03/de-uma-lideranca-reativa-para-criativa-a-viagem/). Tal como numa qualquer organização, a capacidade para ler o contexto, dar-lhe sentido, e colocar o foco em torno de uma visão para o futuro, construir caminhos e cenários estratégicos e focar a ação no que é prioritário para o país e para os cidadãos é um jogo que poderá vir a produzir resultados mais sustentáveis e mobilizar mais pessoas no futuro.

Talvez tenha chegado o tempo de também os líderes partidários e a classe política fazer um trabalho de desenvolvimento da sua liderança para serem capazes de se adaptar e prosperar, para bem do próprio país.

Talvez tenha chegado o tempo de também os líderes partidários e a classe política fazer um trabalho de desenvolvimento da sua liderança para serem capazes de se adaptar e prosperar, para bem do próprio país.