Artigo
Business Transformation Culture and Leadership
Procura-se: resultados económicos e equilíbrio humano

Procura-se: resultados económicos e equilíbrio humano

Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner

O sucesso futuro das empresas dependerá da sua capacidade para cuidar, efetivamente, do sistema humano

“É a solidez e a força do sistema humano e social da empresa que determina a sua capacidade para desenvolver o seu sistema económico, lidar com a mudança e ser capaz de se adaptar!”
Crozier e Friedberg, 1977

Nos últimos 11 meses, a capacidade humana para se adaptar, sobreviver, criar e se superar, mostrou-nos que fazer mudanças mais disruptivas em ciclos mais curtos, é possível. Processos foram alterados, tecnologia foi desenvolvida, regras e procedimentos foram instituídos e redesenhados, comportamentos foram mudados e competências desenvolvidas. O potencial e a agilidade inerentes à natureza humana ficaram demonstrados, quando esta se viu confrontada com uma ameaça à sua vida e aos alicerces do funcionamento da economia. Também foram dados sinais de colaboração interdisciplinar, organizacional, política, para fazer face à crise e à urgência. Para quem trabalha em desenvolvimento humano e organizacional, como é o meu caso, renasce um sentimento de esperança naquilo que é possível fazer coletivamente para evoluirmos no campo organizacional.

As organizações são sistemas, abertos e dependentes do ambiente externo, cujo sucesso depende da interação entre o subsistema técnico e de negócio e o subsistema humano e social. A história e investigação científica mostram que é o sistema técnico, e a tecnologia em particular, que prevalecem sobre o sistema humano e social. Mas mostram também que o preço a pagar, por não se ter em conta e não se cuidar deste último, pode ser muito alto em matéria de produtividade, qualidade de pensamento e tomada de decisão, engagement, turnover e saúde física e mental.

As organizações e os seus gestores e equipas já estavam sob uma elevada e permanente pressão, na tentativa de responder a contextos em mudança acelerada pela transformação digital e, na maior parte das vezes, altamente competitivos. Em contextos de crise como o que vivemos atualmente, em que acresce toda a complexidade resultante da adaptação de processos de trabalho e estilo de vida à Covid-19, sistema técnico e humano estão sob um enorme stress e ambos com risco elevado de rutura. A sobrevivência de cada organização e a sua capacidade para prosperar dependerá, não da capacidade do sistema humano para se adaptar ao sistema técnico, porque essa agilidade já foi demonstrada, mas sim, da sua capacidade para manter o equilíbrio! Parecendo simples, este é um caminho difícil de trilhar. E é preciso começar, porque os processos de transformação de cultura são morosos.

“A sobrevivência de cada organização e a sua capacidade para prosperar dependerá, não da capacidade do sistema humano para se adaptar ao sistema técnico, porque essa agilidade já foi demonstrada, mas sim, da sua capacidade para manter o equilíbrio!”
A interdependência entre sistema técnico e humano determina a capacidade das organizações para lidar com os desafios do contexto

Negócio e resultados vieram sempre primeiro, e bem! Mas sendo verdade que não há empresas sem resultados económicos, as empresas têm também uma função social e humana, além de económica. O que acontece na vida das empresas tem um impacto enorme na sociedade. Basta pensarmos que se sairmos todos do trabalho 10 a 11 horas depois de o iniciarmos, não estaremos a cuidar das gerações futuras. A qualidade do ecossistema da empresa determina não só o grau de bem-estar, felicidade, realização, envolvimento, crescimento, e saúde, como também e, naturalmente, o grau de produtividade, de colaboração, de resiliência, e capacidade de adaptação e para inovar. Lembrar também que é nas empresas que integramos jovens e formamos adultos, transmitindo valores.

As organizações não são entidades abstratas, têm cultura – formas de ser, de pensar e de se comportar – e, muitas delas, altamente padronizadas. Nos últimos 40 anos, as escolas de gestão, as organizações e a gestão das empresas em geral criaram dois universos separados – o universo da gestão financeira e do negócio e o da gestão das pessoas e da cultura – , como se se tratasse de dois mundos à parte. Não são! Trata-se de uma barreira socialmente construída, como tantas outras, sem ligação à realidade, tal como a ciência comportamental foi mostrando ao longo do tempo! O sistema técnico não é independente do sistema social e humano e este último é determinante para o sucesso do primeiro. É por isso que os problemas e desafios têm, além da componente técnica, quase sempre uma dimensão humana. Todos os problemas técnicos são problemas sociais e humanos, razão pela qual a cultura tem o poder de destronar qualquer intenção de mudança.

Os processos de transformação como o que estamos a viver atualmente, são, ou deveriam ser, na realidade, processos de aprendizagem individual e coletiva. No seu curso, ocorrem tensões entre sistemas de valores antigos e emergentes. Como tal, para as empresas se desenvolverem e as suas culturas se fortalecerem e evoluírem, é necessário promover a divergência, a reflexão e diálogos generativos para construção de novos significados e novas perspetivas acerca da realidade, para que novos valores floresçam, e em particular valores que vão ao encontro da sustentabilidade do sistema humano. O desafio da liderança hoje, está em criar um ecossistema onde as tensões decorrentes das diferentes molduras mentais dos líderes possam ser utilizadas para gerar um debate à volta destes temas que possibilitem a evolução da cultura, sob pena de continuarmos a idealizar as culturas do norte da Europa que tanto nos fascinam, sem nunca nos aproximarmos delas. Resultados económicos sim! Equilíbrio humano sim, também!

Esta mudança, – a de promoção de maior equilíbrio –, sendo extraordinariamente difícil de fazer – dado o atual nível de pressão –, é um caminho necessário, para promover a homeostasia em ambos os sistemas. O que requer que se pare para pensar em formas de alterar a cultura, através das práticas e dos processos de trabalho. E este é um dos maiores paradoxos do nosso tempo – a velocidade e o grau de disrupção da mudança requer que sejamos capazes de induzir nas organizações maiores níveis de reflexão e de aprendizagem, para fazer evoluir a cultura. A velocidade e o grau de disrupção da mudança não nos permitem, aparentemente, tomar esse tempo.

O ser humano consegue, como vimos, mudar, e mudar rapidamente. O desafio está em que essas mudanças se traduzam em upgrades na cultura, na forma de pensar e no comportamento organizacional. E isso requer maiores níveis de aprendizagem organizacional “Isomorfismo, mudar para ficar igual

“Os processos de transformação como o que estamos a viver atualmente, são, ou deveriam ser, na realidade, processos de aprendizagem individual e coletiva.”
Design Sem Nome (3)
Por onde começar? Duas ações de liderança e governação imediatas

O sistema de governação define a gestão e o controlo da empresa, além dos papéis, distribuição do poder e tomada de decisão. A estrutura traduz esse desenho de funções e de pessoas em áreas e níveis de responsabilidade, de decisão, de autoridade e no desenho das interdependências. As práticas de gestão traduzem a utilização de recursos humanos e materiais por parte da estrutura de gestão e são a face explícita ou tácita do modelo de governação. A utilização e uso do tempo veiculam o normativo e são uma demonstração das prioridades e dos valores da gestão. Os papéis e práticas da gestão, precisam hoje responder não só aos desafios económicos do contexto, mas também às necessidades do sistema humano, sob pena de este entrar em rutura.

Para repor algum nível de equilíbrio ou homeostasia e tentar neutralizar os níveis de stress e o risco de burnout no atual sistema humano e social da empresa podemos começar por implementar duas medidas urgentes, uma de carácter higiénico e outra mais estruturante; ambas com impacto na satisfação de necessidades humanas básicas e na saúde física e mental.

1 . Protocolar o número, duração e tempo entre sessões on-line, para dar tempo para que as pessoas possam se reenergizar, realizar outras tarefas ou terem tempo para pensar. A batalha da pontualidade parece estar a ser ganha, mas não necessariamente a da produtividade.

2 .  Criar tempo e espaço para mais conexão, reflexão conjunta e diálogo. Tempo para aprender coletivamente, para endereçar questões de fundo mas aprendendo a dialogar de forma generativa. Dias e horas a fio de trabalho meramente operacional e orientado à execução de tarefas, em reuniões on-line, corta com as ligações emocionais que o ser humano precisa de fazer com outros e com a missão da organização. Aniquila a motivação, a criatividade e felicidade humanas.

É papel da liderança dar direção a uma organização para lá do que é o seu negócio técnico. Isto significa que do ponto de vista do desenvolvimento social da empresa o imperativo da liderança está em criar uma cultura de aprendizagem que faça uso do potencial e talento criativo na organização. Nunca haverá desenvolvimento da empresa contra o seu sistema social (Sainsaulieu, 1997) ou com ele em risco de colapso.

“Os papéis e práticas da gestão, precisam hoje responder não só aos desafios económicos do contexto, mas também às necessidades do sistema humano, sob pena de este entrar em rutura.”