Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner
Três razões que justificam cuidar da cultura das organizações
Em primeiro lugar, a cultura é fonte de vantagem competitiva. O talento quer trabalhar em determinadas empresas e fazer parte de determinados projetos. As marcas de maior valor cuidam da sua cultura porque sabem que são as pessoas que entregam as marcas; sabem que é o sistema humano que contribui de forma determinante para a criação do valor da marca. Quando isso acontece, e a cultura se funde com os valores da marca, torna-se uma fonte de vantagem competitiva inimitável e sustentável. A promessa da marca e os valores veiculados passam a estar imbuídos no ADN – no comportamento das pessoas entre si e destas com os seus clientes.
A segunda razão, prende-se com a forma como a cultura evolui e se desenvolve. Se a cultura (a forma como as pessoas pensam e se comportam) determina a capacidade coletiva da organização para se adaptar e prosperar, então é crítico fazer evoluir a cultura ao longo do tempo. É conhecida a imagem de que a cultura é como um jardim. A cultura desenvolver-se-á sempre, mas não necessariamente da forma desejada ou em linha com as exigências do contexto. Com o tempo corre o risco de cristalizar e, por essa razão, a gestão da cultura requer um trabalho permanente e por antecipação.
Um terceiro ponto prende-se com a necessidade de regular o comportamento humano. A organização enquanto sistema humano é também um espaço político e de poder, onde interesses pessoais e coletivos se jogam. Onde existem pessoas, existe política, ou seja, utiliza-se e tenta-se aumentar o poder. A política tem um papel funcional nas organizações e a gestão do campo político é necessária e desejável, se pensarmos no conflito produtivo e na divergência de valores e ideias. Por vezes esse campo político resulta em mudanças positivas e necessárias, e na emergência de lideranças que fortalecem as organizações. Quando a ação política se faz em benefício próprio, não se fazendo acompanhar da ética, de princípios e valores, resulta, na maior parte das vezes, em menor transparência e meritocracia, e na erosão da colaboração dentro da organização, afastando-a dos objetivos coletivos e da visão. Pelas piores razões, exemplos não faltaram nos últimos 10 anos, e de forma muito ativa no último ano até hoje. O campo político regula-se com sistemas de governação e de gestão, e com processos e estruturas. Mas é por via da ação e exemplo da liderança que todos estes sistemas se materializam e tornam visíveis. O comportamento humano numa organização precisa de ser regulado e coordenado (no limite pelos próprios), e é na e pela cultura, enquanto mosaico de crenças, valores e padrões de comportamento partilhados que essa regulação acontece. Trata-se de um poder praticamente invisível.
Cultura de liderança e cultura organizacional, duas faces da mesma moeda
A cultura está intimamente ligada à liderança – os líderes criam e gerem cultura, quase sem se darem conta. As culturas formam-se a partir da visão do mundo, dos modelos mentais e práticas dos líderes fundadores que as transmitem e definem como o tipo de liderança desejável para as gerações futuras. A cultura de liderança é a base da cultura organizacional, na medida em que os líderes criam o sistema operativo da organização a partir das suas estruturas de pensamento e de ação.
A cultura de liderança tem associada crenças, comportamentos e práticas que permitem, ou não, à organização, em determinados momentos da história, responder aos desafios de adaptação e de mudança que o contexto coloca. Em contextos de mudança ou de alterações no ambiente, algumas premissas, crenças e valores podem ser postos em causa. Cabe à liderança fazer evoluir a cultura para tornar a organização mais proficiente na resposta aos desafios e pressões do contexto, induzindo na organização novas formas de pensar, de colaborar e de agir. Para que isto seja possível, é necessário que os próprios líderes alterem os seus modelos mentais, se relacionem e colaborem de outra forma.
Os líderes podem criar ou destruir valor, criar marcas e culturas fortes ou destruí-las. A capacidade para percecionar e compreender as limitações de uma cultura e fazê-la evoluir progressivamente é a essência e o desafio último da liderança, e da cultura de liderança, enquanto coletivo. Só é possível desenvolver a cultura organizacional, desenvolvendo liderança! A história contada por Louis V. Gerstner Jr. no livro “Who Says Elephants Can’t Dance?: Leading a Great Enterprise Through Dramatic Change” ilustra bem o papel da liderança na gestão e na transformação da cultura.
“A cultura de liderança é a base da cultura organizacional, na medida em que os líderes criam o sistema operativo da organização a partir das suas estruturas de pensamento e de ação.“
Para fortalecer a cultura é preciso aplicar o princípio da congruência
A minha experiência e investigação em processos de transformação de cultura mostra-me que para fazer mudança cultural, é necessário aplicar um conjunto de forças que, em simultâneo, movimenta a organização no sentido da mudança desejada.
Olhando para a organização como um sistema, estas forças incidem sobre 4 grandes blocos:
1 . Visão, estratégia e objetivos; modelo de governação (inclui o tema da decisão e distribuição de poder); modelo e práticas de gestão (o que se mede e avalia e onde se foca a ação); desenho organizacional e papéis (e que promove a interdependência e a colaboração); sistema de RH e sistema de recompensas, em particular;
2 . Desenvolver ou induzir na organização o talento e as competências necessárias para o futuro que emerge;
3 . A partir de um assessment à cultura atual e com um desenho da cultura desejada em mãos, avaliar os gaps e pôr em prática um plano para os eliminar progressivamente. Isso pressupõe ter algum tipo de manifesto cultural acerca da identidade, alterar as práticas de trabalho (novas formas de diálogo e colaboração na análise e resolução de problemas) e, como já foi referido, implementar ações para desenvolvimento da liderança, enquanto coletivo (indo além das esgotadas formações em liderança);
4 . Desenvolver a liderança pessoal e a consciência individual. Toda a liderança é o resultado de quem somos intrinsecamente. Cada líder individualmente tem o poder de influenciar um sistema. Cada líder individualmente é capaz de criar um oásis ou de secar tudo à sua volta. Esse é o poder da liderança, e o poder da cultura!
Toda a liderança é o resultado de quem somos intrinsecamente. Cada líder individualmente tem o poder de influenciar um sistema. Cada líder individualmente é capaz de criar um oásis ou de secar tudo à sua volta. Esse é o poder da liderança, e o poder da cultura!
Atuar de forma congruente nos quatro blocos, e em simultâneo, ou pelo menos, de forma progressiva, é o que determina a rapidez e a eficácia dos processos de mudança ou de transformação da cultura.