Artigo
Business Transformation Culture and Leadership
A Arte de Escutar na Liderança

A Arte de Escutar na Liderança

Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner

Um diálogo é um esforço colaborativo onde se dá uma suspensão do julgamento e se escuta para compreender perspetivas diferentes das nossas. Pressupõe uma abertura para testar pressupostos e alguma consciência para observar de que forma esses pressupostos, modelos mentais e a cultura interferem. Quando acontece, existe uma disponibilidade para suspendermos ou alterarmos a nossa visão da realidade e do mundo. É dessa capacidade para suspender que se abrem possibilidades para encontrarmos soluções colaborativas – ou, pelo menos, de compromisso – para os problemas e desafios. O diálogo é a base da colaboração e a sua eficácia é determinante para decisões de qualidade.

Fácil de perceber, difícil de fazer! Como aliás em tantas outras coisas da esfera comportamental. A arte está na forma.

Os resultados dependem do diálogo

O diálogo na sua aceção mais profunda e abrangente tem uma importância crucial na construção da realidade porque ele aplica-se a todos os campos da relação e da interação humana – na sociedade, na família, nas organizações, na política, na economia, no ambiente e na qualidade da democracia; o diálogo é também chave nos processos de mudança. O diálogo decorre das molduras de pensamento e das representações da realidade das pessoas e líderes. A sua natureza, tipo e profundidade condicionam a realidade à nossa volta e têm um impacto determinante na cultura, no clima e bem-estar e nos resultados.

É fácil compreender a relação entre comunicação e resultados, basta para isso fazer o exercício de imaginar pela negativa, uma equipa impregnada de conflito ativo ou dormente, ou a viver fenómenos de group thinking[1]. Pela positiva, imagine-se uma assembleia da república onde as diferenças de perspetiva são utilizadas para o desenho de políticas e mudanças mais estruturantes; duas equipas que em vez de trabalharem em silos procuram compreender as interdependências e as necessidades uma da outra; uma comissão executiva que toma decisões dando voz a todos os stakeholders que serve; uma família onde um diálogo fluido e a escuta profunda e respeitadora, dissipa as diferenças de geração.

As palavras estão impregnadas de significados e cultura. É por isso, fundamental, criar ambientes e espaços que promovam o diálogo onde, pessoas e líderes, podem tornar-se mais conscientes dos seus processos de pensamento e da forma como as suas representações da realidade e mapas mentais levam à ação e aos resultados que produzem. Mais e melhor diálogo, pressupõe sempre uma evolução nos níveis de consciência – consciência de si, do outro, da realidade e da realidade que emerge como resultado do diálogo. Trata-se de cada pessoa aprender a ver-se a si própria e a de aprender a ver-se como parte integrante e ativa de um sistema.

[1] Fenómeno de censura à honestidade e autenticidade da equipa, por parte dos membros da equipa, onde todos correspondem áquilo que assumem ser o que todos esperam, desejam e é adequado.

O diálogo é a base da colaboração e a sua eficácia é determinante para decisões de qualidade.
É possível aprender a escutar
Quando Consigo Abrir A Mente A Novos Factos E Informação, E Movimentar Me Para Lá Dos Meus Mapas Mentais E Pressupostos

Os 4 níveis de escuta

A evolução para campos de diálogo mais profundos e generativos requer um processo assente na escuta e reflexão individual e coletiva, na observação e partilha de vivências e experiências que possibilitem ver outras perspetivas, na criação e experimentação de novos comportamentos e ações conjuntas. O estado de presencing – conceito da teoria U que combina as palavras presença e sentir para designar um estado de atenção reforçado -, atinge-se aprendendo a suspender o julgamento e a tomar consciência das crenças e premissas que definem a realidade subjetiva de cada um. Trata-se de um continuum de 4 níveis de escuta e que podem ser aprendidos e desenvolvidos:

1º nível de escuta: “downloading” 

Escutar em modo “downloading”, é quando escutamos apenas para nos ouvir a nós próprios ou para reproduzir hábitos e padrões de comportamento. O diálogo não chega a acontecer. As diferenças são apresentadas por confronto e oposição de ideias, a atitude é a de testar e fazer prova da validade das ideias e da inteligência, em processos, onde muitas vezes predomina o ego, a arrogância de pontos de vista e perspetivas e até alguma agressividade. No polo oposto, algumas pessoas estão normalmente com medo, ou a tentar agradar, ou a assumir pressupostos, ou a agir para de defenderem, gerir as suas agendas ou interesses pessoais. Porque, muitas vezes, já todos conhecem bem demais o modus operandi, todos se conformam ou ajustam às expectativas para não despender energia, desnecessariamente. Normalmente os diálogos não são profundos, podem até ser superficiais e prevalece a posição de quem tem o poder ou o dom da oratória. Nestes ambientes e contextos o nível de aprendizagem, reflexão e engagement são baixos. Numa escuta de tipo downloading, o nível de consciência é baixo, está-se preso a uma visão parcial, fragmentada e egocêntrica da realidade. No final, o resultado foi apenas o de validar os pressupostos iniciais; Não se deu movimento no sistema.

2º nível de escuta: Factual

Consiste em escutar novos factos e a informação. Quando consigo abrir a mente a novos factos e informação, e movimentar-me para lá dos meus mapas mentais e pressupostos, estou a expandir a minha capacidade para escutar pontos de vista diferentes dos meus. A escuta factual permite promover a divergência de perspetivas e o debate de ideias, permitindo iniciar diálogos exploratórios sobre temas complexos e testar pressupostos. Constitui a base para uma análise e resolução de problemas e tomada de decisão mais informada. Perante problemas e desafios de maior complexidade e temas de mudança sistémica, a escuta factual pode levar a impasses na tomada de decisão e não evoluir de um nível de debate intelectual para o campo da ação.

3º nível de escuta: Empática

A escuta empática, constitui um nível de escuta mais profundo, e como o próprio nome indica, pressupõe movimentar-me do meu campo para o campo do outro. Eu escuto porque quero compreender, porque quero aprender; quero expandir a minha leitura da realidade, através dos olhos dos outros. Estou disponível para ouvir e aceitar leituras da realidade e experiências diferentes da minha. Observo, abrindo espaço para a inquirição e estando consciente e aberta para perspectivas diferentes, opostas e eventuais forças de resistência.

É por via de uma escuta empática que estabelecemos conexões emocionais e que estamos disponíveis para colaborar, fazer compromissos, e distribuir o poder ao serviço de uma intenção partilhada e objetivos comuns. Quanto maior a capacidade para um sistema desenvolver a escuta empática entre as suas várias áreas, dentro da cadeia de valor e entre relações de cliente e fornecedor, maior a probabilidade para a colaboração e a inovação acontecerem.

4º nível de escuta: Generativa

A escuta generativa é difícil de explicar e difícil de experimentar. É mais rara. Está ligada áquilo que os criadores, inovadores e artistas descrevem como momentos de criação. Uma Jam Session poderá constituir uma boa metáfora para esta imagem de um conjunto de pessoas ou de uma equipa que utilizam todo o seu talento e potencial para criar, no momento, algo simples ou extraordinário, mas novo, que emergiu naquele momento, como resultado de uma qualidade de presença e de atenção a si, ao outro, ao momento e ao que nasce e emerge naquele instante. A escuta generativa e o diálogo generativo acontecem quando se dá um alinhamento entre 3 fatores:

  • Suspendi o julgamento (o que decorre dos níveis de escuta anteriores), e estou disponível para o que nascer, fluir e emergir no momento
  • Estou 100% presente, e consciente de mim, do outro e da realidade à minha volta; aquilo que se designamos por vezes como “estar-se sincronizado”
  • Estou conectado ou conectada com a minha intenção, propósito, paixão ou motivação intrínseca

Estas competências aprendem-se e desenvolvem-se através da prática e da criação de ambientes de trabalho mais empáticos e generativos que neutralizem o confronto improdutivo e ativem a inteligência criativa coletiva.

A escuta generativa e o diálogo generativo acontecem quando se dá um alinhamento entre 3 fatores: suspensão de julgamento; presença e propósito.
Foto4