Artigo
Business Transformation Culture and Leadership
Liderar paradoxos e polaridades

Liderar paradoxos e polaridades

Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner

Relação entre a consciência, liderança e a visão da realidade

No último artigo sobre a viagem da liderança reativa para a criativa – https://lnkd.in/dMek8G6, fiz referência ao trabalho de Robert Kegan. Os resultados da sua investigação, e que vieram corroborar outros estudos neste campo, demonstraram que existem patamares ou estádios de desenvolvimento que representam formas distintas de compreender a realidade e diferentes visões do mundo. Cada estádio está correlacionado com a capacidade que cada um de nós desenvolve para se adaptar e responder à crescente complexidade do contexto, em cada momento histórico. A investigação revelou desconexão entre a complexidade dos desafios e o nível de desenvolvimento e agilidade dos líderes para lidar com essa complexidade, tendo demonstrado a correlação entre o nível de desenvolvimento da mente e a eficácia com que se lida com um mundo cada vez mais complexo.

São cinco, os estádios. O primeiro refere-se à infância e o segundo à adolescência (mente impulsiva). Alguns adultos e líderes nunca passam desta fase, designada também como egocêntrica – toda a realidade é percebida a partir da construção do próprio ego, como quando somos adolescentes. Os três estádios subsequentes de desenvolvimento acontecem na vida adulta, e traduzem 3 sistemas mentais e operativos que traduzem diferentes visões da realidade e formas de a organizar e lhe dar sentido:

1. A Mente Socializada ou o Líder Reactivo: Procura direção externa e encontra-se dependente de molduras e referenciais externos. É “dependente de outros”, no sentido em que o seu comportamento decorre das expectativas formuladas por terceiros. Sente necessidade de uma autoridade e validação externa e procura adaptar-se e ajustar-se a um dado sistema social. O autoconceito de uma mente socializada ou de um líder de tipo reativo está organizado de uma forma em que a identidade está alicerçada à volta do que a rodeia. A identidade, a autoestima, a autoconsciência e a segurança são formadas de fora para dentro – existe necessidade de aprovação, validação e de estar em conformidade. No mapa mental de uma mente socializada, essa adequação condicionará o seu sucesso e sobrevivência; na liderança reativa resulta em comportamentos de maior conformidade – como o excesso de lealdade, de passividade ou de conservadorismo; de proteção; ou de controlo e excesso de carga de trabalho imposta pelo próprio a terceiros ou por terceiros ao próprio para corresponder às expetativas ou à norma.

À data do estudo (1994), este estádio representava 14% da população no mundo ocidental; 32% estava na transição do nível três para o quatro.

2. A Mente Autora ou o Líder Criativo: A mente autora também foi socializada e também respeita as normas e os valores da sociedade e das instituições, mas é capaz de definir o seu sistema de valores e ter a sua própria autoridade pessoal, o que lhe permite fazer escolhas face a um ambiente externo e perante terceiros. A sua bússola e direção são internas e tem molduras e referências de pensamento independentes. Na liderança, na passagem ao estádio de “mente autora”, o líder reflete e distancia-se das mensagens culturalmente aceites. Age a partir do seu conjunto de valores e de uma visão pessoal, discernidos por entre todas as mensagens à sua volta; dá-se o início de uma viagem para uma liderança mais independente e progressivamente mais autêntica e congruente. Na liderança criativa criam-se as bases para uma liderança mais integral – mais relação, mais integridade, mais visão e foco estratégico.

À data do estudo, representava 34% da população no mundo ocidental; 58% ainda não tinha alcançado este estádio.

3. Mente Transformadora ou Líder Integral: à data do estudo, apenas 1% das pessoas se encontrava neste nível, sendo que 6% estavam na transição. O líder integral reconhece e está consciente que a sua lente acerca da realidade será sempre parcial e imperfeita e apenas uma, entre outras. E, por isso, está consciente das suas limitações, e das limitações inerentes à sua visão do mundo, ideologia e sistema de valores; consegue também reconhecer o mesmo nos noutros e em sistemas diferentes daquele que integra. Esta consciência de si, do outro e da realidade permite-lhe lidar com paradoxos, reconhecer contradições, opostos e acolher múltiplas perspetivas. Na liderança, é a base para liderar polaridades e gerir interdependências porque se integram mais perspetivas e perspetivas diferentes:

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O líder integral reconhece e está consciente que a sua lente acerca da realidade será sempre parcial e imperfeita e apenas uma, entre outras.

O desenvolvimento da consciência de si, dos outros e da realidade e das suas polaridades faz-se caminhando. A vida do Papa Francisco e a viagem simbólica ao Irão são um excelente exemplo disso.

Em cada momento histórico, precisamos de crescer mentalmente para lidarmos com incrementos na complexidade dos desafios

Também Ken Wilber, na obra “A Teoria de Tudo” (2001), identifica os estádios de desenvolvimento da mente humana, correspondentes a visões do mundo que progridem como numa espiral dinâmica de desenvolvimento interior e da evolução da consciência. A transformação, nas pessoas e nas organizações ocorre quando os problemas do contexto e o desenvolvimento das forças de produção e desenvolvimento tecnológico, em particular, colocam pressão sobre a estrutura cognitiva. Os processos de transformação que envolvem o desenvolvimento da consciência humana individual e coletiva resultam da pressão colocada sobre essa mesma consciência, conduzindo ao desenvolvimento e à transformação de visões do mundo, ao aumento da capacidade para integrar mais perspetiva e perspetivas diferentes e de produzir resultados diferentes. A transformação e a evolução dão-se como resultado de avanços tecnológicos profundos numa ou mais áreas e que colocam pressão sobre a consciência humana, sendo a era da informação e a revolução digital um exemplo disso. Tal como Kegan e outros, Wilber teoriza acerca do crescimento e desenvolvimento da mente como séries de estádios ou ondas de potencial por concretizar. Cada estádio, onda ou nível, pode ser ativado ou reativado em função das circunstâncias de vida e do contexto. Contextos extremos de crise como o que vivemos hoje são propícios à ativação de potencial ou retrocessos. Na figura em baixo procuram-se relacionar as teorias com a liderança:

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A aplicação destas teorias ao desenvolvimento na liderança é óbvia, na medida que as teorias mostram que para a eficácia na liderança concorrem não só o desenvolvimento de competências chave (desenvolvimento horizontal), mas também o desenvolvimento da consciência (vertical). 

A transformação, nas pessoas e nas organizações ocorre quando os problemas do contexto e o desenvolvimento das forças de produção e desenvolvimento tecnológico, em particular, colocam pressão sobre a estrutura cognitiva.

A aplicação destas teorias ao desenvolvimento na liderança é óbvia, na medida em que as teorias mostram que para a eficácia na liderança concorrem, não só o desenvolvimento de competências-chave (desenvolvimento horizontal), mas também o desenvolvimento da consciência (vertical).

Para as organizações, constitui uma oportunidade para compreender o centro de gravidade e os estádios de desenvolvimento da cultura de liderança. Permitem ainda compreender as tensões resultantes da convivência em simultâneo de diferentes visões do mundo e níveis de consciência na liderança, em que cada estádio é indispensável e tem uma função na espiral do desenvolvimento organizacional. A perspetiva de uma espiral dinâmica que culmina num nível mais integral fornece também pistas para visões e modelos de governação e de gestão mais integrais. Olhar para a organização e para a empresa como um sistema integral, onde o sistema humano, social e técnico é interdependente possibilita equilibrar aquilo que Wilber designa de quadrantes interiores – valores, significado, moral, consciência – com os exteriores – condições económicas, bem-estar material, avanço tecnológico, segurança e ambiente, atribuindo-lhe a mesma importância.