Susana Carvalho | Culture Setting | Managing Partner
Portugal desceu três lugares no Índice de Perceção da Corrupção (CPI) em 2020, publicado pela Transparency International, registando a pontuação mais baixa desde 2012. O problema é sistémico e complexo, resulta de vários ciclos viciosos, e está diagnosticado por vários especialistas. Vários países apresentam um desempenho positivo e poderiam constituir uma fonte de aprendizagem e de benchmark. Para fazer mudança sistémica é necessário que todos os interlocutores-chave nos vários sistemas – Judicial, Jurídico, Político, Legislativo, Académico e Sociedade Civil pela voz de Ativistas que se têm vindo a bater por esta causa –, dialoguem e colaborem para a fazer acontecer. Requer visão, liderança e coragem, porque vai além da ideologia e mexe com interesses instalados e com o status quo. A liderança tem o poder de criar e destruir valor, de gerar desenvolvimento ou de o atrasar. Todos os atos de liderança têm consequências, incluindo ao nível dos discursos. E o discurso importa, porque inscreve, e porque a cultura, enquanto forma de um povo pensar e se comportar, se vai desenvolvendo também como resultado das ações, decisões e das várias histórias e narrativas que vamos contando aos nossos filhos, de geração em geração.
Os elevados custos da má liderança
O valor da liderança simbólica é incalculável e, independentemente do que possa vir a seguir, estas foram as consequências resultantes da falta de pensamento sistémico visível na decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, em representação de um tribunal que existe para defender e representar os interesses dos cidadãos portugueses:
1 No plano simbólico – na erosão da confiança nas instituições e nos seus líderes e/ou profissionais com cargos públicos cuja missão é servir os cidadãos. A perda de confiança conduz ao desenho de estratégias defensivas e individualistas por parte das pessoas, o que as afasta dos interesses coletivos e da prática do bem-comum.
2 Na democracia – quando as instituições falham o ressentimento aumenta e a democracia fica em risco, abrindo espaço para o crescimento de partidos populistas e extremistas. Numa organização, o paralelismo está na ausência de contribuição para o diálogo e decisões, na desvinculação emocional com a empresa e no boicote explícito ou passivo à mudança.
3 No plano financeiro – na delapidação do dinheiro público de um país já de si pobre no âmbito da União Europeia, despendido em processos intermináveis e infindáveis, montados e alimentados por um sistema que se alimenta e enriquece como resultado da perpetuação do status quo e da burocracia que criou, para servir interesses próprios.
4 No plano económico – na perda de oportunidade no combate à corrupção, enquanto instrumento ilícito que, ano após ano, afasta Portugal de melhores índices de desenvolvimento económico e que destrói valor e emprego no tecido empresarial do país.
5 Na meritocracia – absolver casos de corrupção tem como consequência a perda da esperança de que a aprendizagem, o trabalho e o esforço compensam. Erradicar a corrupção poria em causa privilégios adquiridos de forma ilegal, à custa do dinheiro de outros e, sobretudo, poria a nu a falta de competência de uma geração que, de outra forma, teria de fazer prova do seu bom desempenho, por via dos resultados que produz. Este talvez seja o nó mais invisível e o mais difícil de desembaraçar no jogo entre a burocracia e a meritocracia.
6 Na gestão de talento – pelo afastamento e desinteresse que estas burocracias e sistemas suscitam junto de jovens e pessoas talentosas e competentes que, a não ser que tenham um espírito combativo e inabalável de missão, optam de dia para dia por se afastar do sistema político, das grandes instituições e empresas ou até do país.
7 No plano moral, ético e da justiça – porque se perdeu uma oportunidade de dar o exemplo e de passar uma mensagem de esperança não só às gerações que estão hoje no mercado de trabalho e na política, como também às gerações futuras.
“A liderança tem o poder de criar e destruir valor, de gerar desenvolvimento ou de o atrasar. Todos os atos de liderança têm consequências, incluindo ao nível dos discursos.”
Ver, pensar e liderar sistemicamente é urgente
A corrupção, por muito que nos custe admitir, é endémica. Ela está mais enraízada na nossa cultura e sociedade do que gostaríamos de acreditar, nas mais pequenas coisas: desde o pagamento de impostos a que todos tentam fugir de tão asfixiantes que são ou porque se considera que os mais ricos é que devem pagar (esquecendo-nos que “os ricos” em Portugal são todos aqueles que com o seu trabalho sustentam a economia); à colocação dos filhos nas escolas de maior preferência ou à toma indevida de vacinas. Só é possível manter o nevoeiro nas consciências, porque todos somos parte do problema e porque culturalmente toleramos a complacência e a falta de exigência e não responsabilizamos de forma consequente, e enquanto sociedade, aqueles que não cumprem a lei.
O Governo Sombra no Ano Novo, com a participação da Ex-Procuradora Jubilada Maria José Morgado – https://www.tsf.pt/programa/governo-sombra/emissao/desejos-para-2021-13188485.html – fez os seus votos para o país neste 2021 – uma vacina para a corrupção foi um deles. A mudança sistémica só acontece se cada um, no sistema, for capaz de se ver a si próprio enquanto parte do problema e da solução, na sua esfera de responsabilidade. Ao poder político e judicial cabe a responsabilidade de utilizar esta crise para fazer mudança efetiva; às organizações cabe o papel de criar mecanismos de governação que promovam, cada vez mais, a transparência e a meritocracia, agir de acordo com princípios éticos e fazer pressão política para melhores decisões com impacto na economia; a nós, a reflexão em torno do que está nas nossas mãos fazer para que todos os dias a nossa liderança pessoal, à escala de cada um, possa contribuir para uma sociedade economicamente mais próspera, financeiramente saudável, ética, justa, democrática e, sobretudo com esperança no futuro.